Lei dos solos: o que muda e como afeta o futuro da habitação

A recente introdução da chamada “Lei dos Solos” está a gerar discussões acesas sobre o impacto que pode ter na resolução da crise da habitação em Portugal. O Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, estabelece um novo regime para a reclassificação de terrenos rústicos em urbanos, simplificando o processo e permitindo a transformação de terrenos não edificados em áreas passíveis de urbanização, desde que cumpram um conjunto de requisitos.

Este novo regime surge num momento crítico, em que o país enfrenta uma enorme pressão por mais espaços habitacionais, particularmente em zonas de alta procura. No entanto, embora a medida possa proporcionar uma resposta rápida à necessidade de construção de novas habitações, levanta também questões importantes sobre o seu impacto ambiental, social e económico.

Neste artigo, vamos analisar o potencial desta medida, as suas implicações para a gestão do território e os possíveis efeitos a longo prazo na sustentabilidade e qualidade de vida das populações.

O que prevê o novo Decreto-Lei?

O novo diploma introduz uma importante possibilidade para o ordenamento do território: a reclassificação de terrenos rústicos como urbanos. No entanto, para que isso aconteça, existe uma condição fundamental: pelo menos 70% (ou seja, 700 metros quadrados por cada 1000 metros quadrados) da área total de construção acima do solo deve ser destinada a habitação pública ou a habitação com “valor moderado”.

O conceito de “valor moderado” é uma tentativa de tornar as habitações mais acessíveis. Este valor é determinado com base no preço por metro quadrado da construção, que não pode ser superior à mediana do preço de venda nacional ou se superior, 125% da mediana do preço de venda praticado no concelho onde o terreno se encontra.

Ou seja, esta medida visa garantir que a requalificação de terrenos rústicos seja voltada, essencialmente, para soluções habitacionais acessíveis. No entanto, a sua eficácia dependerá da realidade do mercado imobiliário em cada região, uma vez que os preços médios variam significativamente entre diferentes zonas do país. Assim, em áreas metropolitanas com preços elevados, o impacto na redução dos valores pode ser limitado, enquanto em zonas de menor procura pode ter um efeito mais significativo.

A responsabilidade pela decisão de reclassificar um terreno recai sobre a Assembleia Municipal, que deverá tomar a decisão com base numa proposta da Câmara Municipal local. O decreto simplifica esse processo ao dispensar a necessidade de aprovação por entidades superiores, como a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). Embora essa medida torne a conversão de terrenos mais rápida e menos burocrática, também levanta preocupações quanto à transparência e à possível influência de interesses privados nas decisões municipais. Essa flexibilização pode facilitar o desenvolvimento habitacional, mas exige um acompanhamento rigoroso para evitar usos indevidos e especulação imobiliária.

Importante destacar

O diploma entrará em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação, ou seja, a partir de 30 de janeiro.

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Críticas e preocupações

O novo regime tem gerado controvérsia em vários domínios, desde questões ambientais até potenciais riscos de especulação imobiliária. Vamos analisar os principais pontos de preocupação que surgem com esta mudança legislativa, procurando entender como estas implicações podem impactar o desenvolvimento urbano, o setor imobiliário e a sociedade em geral.

Impacto na biodiversidade e na agricultura

A proposta de reclassificar terrenos rústicos em urbanos tem gerado um grande debate, especialmente no que se refere às suas consequências para o meio ambiente e para a preservação de espaços naturais. Muitas vozes têm alertado para o risco de comprometer áreas de grande valor ecológico, o que poderia prejudicar a biodiversidade e afetar a atividade agrícola.

Contudo, o diploma que introduz essa reclassificação estabelece algumas restrições essenciais; define com clareza as áreas que não podem ser alteradas, incluindo os locais sob proteção ambiental, como as áreas da Reserva Ecológica Nacional (REN). Deste modo, com estes limites, fica garantido que o avanço da urbanização não prejudica as funções ecológicas e agrícolas dessas áreas.

Especulação imobiliária

Uma das preocupações mais discutidas com a reclassificação de terrenos rústicos é o efeito potencial sobre os preços no mercado imobiliário. Ao permitir que 30% dos imóveis construídos em terrenos reclassificados não tenham qualquer limitação de valor, e ao impor um limite de 125% do preço mediano no caso dos outros 70%, há quem receie que o controle de preços seja ineficaz.

Em zonas como Lisboa, onde o preço da habitação está elevado, o teto de 125% do valor mediano poderia, de fato, levar a uma redução nos preços, mas essa diminuição seria pequena, de cerca de 11%. No entanto, em muitas outras áreas do país, esse limite não resultaria numa redução significativa dos preços. Isso levanta um ponto crucial da economia: a relação entre oferta e procura. Quando a oferta de terrenos e imóveis é limitada, é difícil reduzir os preços de mercado de forma eficaz.

A medida visa aumentar a oferta de terrenos para construção e, com isso, estimular o mercado a oferecer mais opções de habitação. No entanto, a possibilidade tal pode alimentar a especulação imobiliária. O impacto real dependerá do número de terrenos reclassificados, da velocidade de construção e da capacidade do setor imobiliário de disponibilizar habitação acessível. Caso a conversão de solos rústicos não ocorra em larga escala ou a construção fique concentrada em segmentos de alto valor, a medida pode ter efeitos limitados na estabilização dos preços.

Um problema económico, não apenas legislativo

A oposição à mudança no RJIGT também veio de especialistas académicos e da sociedade. O Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS) emitiu um parecer negativo sobre o diploma, destacando que a proposta poderia agravar a crise habitacional, ao invés de resolvê-la, especialmente em regiões onde já existe um excesso de oferta de habitação.

Além disso, urbanistas argumentam que a conversão de terrenos rústicos pode não resolver a crise habitacional se não vier acompanhada de políticas complementares, como incentivos à habitação acessível e regulação do mercado de arrendamento.

Economistas também apontam que o aumento da oferta de terrenos por si só não garante a descida dos preços, uma vez que os custos de construção, a procura externa e a especulação podem continuar a pressionar o mercado. Assim, embora a medida possa contribuir para aliviar a escassez de terrenos urbanizáveis, há dúvidas sobre a sua real eficácia na redução dos preços habitacionais.

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